Caminhos do lixo eletrônico: EUA

Relatório conclui que resíduos eletrônicos enviados para centros de reciclagem dos EUA estão indo para países em desenvolvimento.

O grupo de vigilância ambiental Basel Action Network (BAN), que tem como missão defender a saúde e a justiça ambiental global através do fim do comércio de produtos tóxicos, quis descobrir o que acontece quando os computadores, televisores e outros dispositivos eletrônicos descartados são enviados para centros de reciclagem nos Estados Unidos.

No relatório intitulado Scam Recycling: e-Dumping on Asia by US Recyclers (set/2016) o grupo, ao longo de dois anos de trabalho, implantou dispositivos GPS em 205 produtos eletrônicos e na sequência os encaminhou para centros de reciclagem e instituições de caridade nos Estados Unidos. Os dados coletados mostraram que dos 152 dispositivos entregues diretamente aos centros de reciclagem, 40% foram exportados – significativamente maior do que a taxa de 15% de exportação para os 53 dispositivos entregues às instituições de caridade.

Relacionado aos equipamentos, foram escolhidos 3 (três) tipos de material para o projeto: Monitores LCD (possuem lâmpadas de mercúrio); Monitores CRT (possuem vidro com chumbo) e impressoras. Os três tipos são considerados resíduos perigosos sob a ótica do direito internacional.  Os monitores LCD foram exportados na maior taxa dos três tipos de equipamentos (53%), ao passo que impressoras e monitores CRT foram exportados nas taxas de 30% e 18%, respectivamente.

A iniciativa ainda descobriu que no decorrer de todo percurso, os equipamentos passaram por cerca de 168 empresas de reciclagem, onde 75 destas (cerca de 45%) – muitas das quais alegam que não exportam resíduos eletrônicos – venderam produtos para o exterior e a maioria deles foi para países em desenvolvimento: cerca de 93%, onde 87% localizados na Ásia; 3% na África;  1% no Oriente Médio; 1% na América latina e no Caribe. Os 7% restantes foram para países desenvolvidos: México e Canadá.

A BAN foi fundada para evitar que países desenvolvidos realizem o despejo de resíduos perigosos, resíduos eletrônicos e outros materiais tóxicos nos países em desenvolvimento. Um tratado das Nações Unidas de 1989, a Convenção de Basileia, proíbe a exportação de resíduos perigosos. Mais de 183 países assinaram o tratado, mas não os Estados Unidos. Por consequência, estima-se que 96% destas exportações apontadas no relatório foram ilegais.

Em vez disso, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) solicitou à indústria que desenvolvesse um conjunto de “melhores práticas de gerenciamento” onde os recicladores e os fabricantes de eletrônicos pudessem seguir e supervisionou a criação de um programa de certificação em 2008, denominado R2.

O padrão R2 é gerenciado pelo grupo sem fins lucrativos Sustainable Electronics Recycling International (SERI) e permite que certos produtos sejam considerados com valor agregado, justificando que sejam exportados dos EUA para países em desenvolvimento – ferindo às determinações da Convenção da Basileia. Segundo seu diretor executivo, tal procedimento possibilita aos países em desenvolvimento obter equipamentos eletrônicos que seriam muito caros para os seus cidadãos comprarem, como iPhones antigos ou laptops usados.

Já para a BAN as exportações dos EUA devem ser banidas por completo, uma vez que não obedecem as regras dos tratados internacionais. Em seu programa de certificação mais restritivo, chamado e-Stewards, existem diversas empresas participantes que clamam pela possibilidade de exportação de itens que podem ser “remanufaturados”, tal como justifica o SERI, mas fato é que as nações em desenvolvimento ainda estão longe das condições ideais de receber este material.

Um dos principais pontos de destino apontados no estudo foi em uma área chamada New Territories em Hong Kong. O local recebeu cerca de 54% do total de equipamentos exportados e foram descobertos mais de 48 locais informais de desmontagem de resíduos eletrônicos na localidade. O processo expõe os trabalhadores às diversas toxinas presentes nos equipamentos, inalando gases altamente prejudiciais e em um ambiente altamente contaminado.

O problema do lixo eletrônico começa com o constante consumo e descarte de tudo. As Nações Unidas calculam que 50 milhôes de toneladas resíduos eletrônicos são geradas em todo o mundo anualmente. A logística reversa e a responsabilidade estendida do fabricante já são leis e devem ser sistematizadas, de modo que estes equipamentos que tanto revolucionam o cotidiano das pessoas, sejam em suas vidas pessoais ou profissionais, não se tornem um fardo para qualidade do meio ambiente e da saúde pública, comprometendo o próprio futuro da indústria, cuja dependência de matéria prima específica (metais nobres) torna ainda mais latente a necessidade pela reciclagem e a correta destinação dos eletroeletrônicos.